3 - Benjamim




Mesmo sem conhecer os acontecimentos relacionados a um tempo que viria e antes de deixar a cidade onde morava, Benjamim tinha grandes esperanças para quando se mudasse para aquele lugar que mais tarde ele chamaria de Cidade de Refugio. A oportunidade de viver uma nova vida teria que atender a uma necessidade pessoal e que consistiria em definir os pilares sobre os quais tudo aquilo que viesse a viver se apoiaria.
Antes de qualquer outra coisa, algo que considerava imperioso, dizia respeito à religião: ela não seria um desses pilares. E o que era, no seu entendimento, a religião? Por que não seria um dos pilares? Para ele a religião consiste de práticas e de crenças organizadas, formando um sistema privado ou coletivo, mediante o qual uma pessoa ou um grupo de pessoas são influenciados. É uma instituição com um corpo autorizado de participantes, aceitando um conjunto de doutrinas que se propõe a oferecer algum meio de relacionar o indivíduo àquilo que é considerado ser a natureza última da realidade. Um corpo de doutrina criado por homens; um sistema, uma teologia.
Acreditava que em qualquer religião está presente um sentimento fixo de medo, resignação, admiração ou aprovação, sem importar qual seja o seu objeto. Uma definição eclética e funcional é o reconhecimento da existência de algum poder superior, invisível; é uma atitude de reverente dependência a esse poder, na conduta da vida e manifestando-se por meio de atos especiais, como ritos, orações, atos de misericórdia, etc., como expressões peculiares e como meios de cultura da atitude religiosa.  Para Benjamim, a religião havia se tornado tão somente um corpo de tradições humanas.
Ele ficava admirado ao ver quão pouco a fé religiosa contribui para que tantas pessoas amem a seus semelhantes e se mostrem tolerantes para com seus pontos de vista se, porventura, não concordem com essas opiniões divergentes. Um dos grandes escândalos da história da religião consiste em quantas fés religiosas, de todos os naipes, têm perseguido e morto “a oposição” – intolerância.
Por outro lado, para ele a tolerância é apenas uma etapa. Por detrás dela deve haver a compreensão, e por detrás da compreensão, o amor. Diferentemente do homem religioso, o homem espiritual, longe de mostrar-se perseguidor, mostra-se tolerante, daí ele avançará para o entendimento esclarecido – discernimento -, e daí partirá para a lei do amor que abranja a todos os homens, da mesma maneira que Deus amou o mundo.
Fazia questão de repetir para si mesmo que fundamentaria todos os seus atos e palavras nos Evangelhos - como sendo um documento tanto histórico quanto existencial -, como o plano de libertação revelada ao homem através de Jesus. Daquele dia em diante, não mais viveria para agradar ao homem e nem, principalmente, a si mesmo.
Para viver desta maneira, Benjamim acreditava que seria necessária a interferência do elemento místico em sua vida, para que não se desviasse, nem para a esquerda e nem para a direita – queria seguir o caminho reto da Verdade. Acreditava, ainda, que se algum dia teve o homem uma consciência religiosa verdadeira, fora somente no início da pregação das palavras de Jesus, no primeiro e segundo séculos, no máximo; depois virou doutrina humana e desandou.
Acreditava na existência de um único Deus, criador de tudo aquilo que existe visível e invisível aos olhos humanos. Sendo onipotente, onisciente e onipresente. Por outro lado, não se prendia a nenhuma das religiões monoteístas (abraâmicas) que incluem a fé bahá'í, o islamismo, o judaísmo, o cristianismo, o zoroastrismo, o hinduísmo e o Sikhismo. A nenhuma delas Benjamim reconhecia qualquer direito sobre ele.
Tinha o Novo Testamento como um grupo de livros que revelava a nova aliança feita por Deus com o homem, em que a libertação vem pela graça, por meio da fé e não mais pela observância da lei, segundo o Antigo Testamento. É com este olhar que via a Bíblia. É através da significação da missão de Cristo que é revelada a vereda de escape do desespero absurdo da existência.
Com o passar do tempo, o ser humano foi retirando e acrescentando ensinamentos próprios e, ao assim fazerem, passaram a usar a autoridade como verdade revelada e não esta verdade como autoridade. Nasceu assim a religião que encarcera Deus dentro de limites demasiadamente humanos.
Além disso, acreditava que o homem está alienado de Deus porque um dia teve a presunção de saber, de modo absoluto, o que é o Bem e o que é o Mal, um pensamento que teve lugar num dado momento, no início de sua história. Para Benjamim, enquanto os homens não reconhecerem este erro, estarão fadados a viver, eternamente, o absurdo desespero em que transformaram suas vidas.
A superfície da ilusão é prazerosa, mas enganosa; é melhor viver uma vida em constante desilusão, mas na verdade.

Continua...

EP. Gheramer


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